Medicine #17 - Mar Adentro

Mar Adentro é um filme espanhol de 2004, vencendor do Oscar e Globo de Ouro de filme estrangeiro em 2005. O Filme tem Javier Bardem no papel principal: Ramón Sampedro.

Ramón Sampedro era um marinheiro solteiro da Galícia, na Espanha que aos 25 anos sofreu um acidente num mergulho onde fraturou o pescoço e ficou tetraplégico. Por quase 30 anos Ramón Sampedro lutou pelo direito a soberania sobre seu próprio corpo e sua existência, A exigência dele era simples: ele queria se matar. O suicídio era impossível, inviável em sua condição. Ele precisava de ajuda para morrer: Eutanásia - o suicídio assistido.

Ramón Sampedro - foto original

Apesar de ser um tema de extrema delicadeza e rodeado de dogmas sociais, políticos e religiosos, Alejandro Amenábar, o Diretor do filme conseguiu conduzir essa história bastante interessante como um romance: uma história de amor. 

Esse filme foi o trampolim do sucesso de Javier Bardem e na minha opinião, o melhor filme de 2004. Por falta de sorte, ele competiu nesse mesmo ano com dois grandes favoritos ao Oscar: A Menina de Ouro e O Aviador. Dois grandes filmes, mas inferiores a Mar Adentro. Acabou que o ganhador do Oscar de melhor filme deste ano acabou sendo A Menina de Ouro, uma história que termina em Eutanásia.

Eutanásia? E eu com isso?

Opa! esse ponto é delicado e merece uma discussão cuidadosa.

A Eutanásia: Suicídio Assistido é um tema de difícil compreensão. Começa da difícil compreensão do Suicídio, e em seguida da situação inusitada que seria: "Por que alguém ajudaria uma pessoa a se matar?" como se pode ver nos dois filmes que citamos aqui em cima e também no arrasador Um estranho no ninho: existem situações extremamente complexas em que uma pessoa pode vir a não querer mais viver e esteja incapacitada ao ponto de não conseguir se matar. É difícil de entender esses conceitos de forma universal sem recorrer a um modelo ou um exemplo para o tal - isso mostra o quão precária é nossa capacidade de julgamento sobre o tema, e o porque dessas idéias só serem discutidas mais abertamente recentemente. O estudo da Morte: a Tanatologia nunca antes foi tão difundido. A espanha, mesmo sendo um país conhecidamente tanatofílico, onde a morte é cultuada fortemente (Santa Muerte, Dia de Muertos) foi palco de debates repletos de dogmas no caso de Ramón. 

Porém, numa decisão importante, o Conselho Federal de Medicina no Brasil começou a por lenha nessa fogueira. O novo Código de Ética Médica de 2010 no Capítulo V, Art. 41, Parágrafo Único diz:

"Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal."

Ou seja: o código de ética atual condena a Distanásia e encoraja a Ortotanásia.

Entenda os conceitos:

• Eutanásia: Suicídio Assitido. Intuito de aliviar dor ou sofrimento (Boa morte em grego)
• Ortotanásia: Não prover medidas diagnósticas ou terapêuticas em pacientes terminais sem perspectiva de cura ou melhora.
• Distanásia: Prolongar o sofrimento de um paciente por meio de medidas terapêuticas que não tem perspectiva de cura ou melhora do paciente.
• Morte Cerebral: Paciente morto. propício ou não à doação de órgãos.

Nosso código de ética é condizente com a realidade social e terapêutica atual em outros países. Esse foi um passo muito bem dado pelo conselho de ética em 2010. Contudo, a Eutanásia continua criminalizada no Brasil porque o Suicídio é um crime (apesar de não haver uma Pena para ele) e a eutanásia seria uma ajuda a um crime, essa sim passível de pena.

Então como médicos, teremos eventualmente de lidar com situações de terminalidade da vida - e não pensem que essa é uma realidade distante e que nunca vai acontecer: Como médicos formados há quase 2 anos, já tivemos que lidar com essa situação complexa muitas vezes. Muito mais do que imaginaríamos, e certamente muito, muito mais do que desejamos.

Então para refletir sobre a autonômia e direitos sobre o próprio corpo, deixo o trecho final do Testamento de Ramón Sampedro - o original, não o do filme:

Espanhol: "Srs. Jueces, Autoridades Políticas y Religiosas: No es que mi conciencia se halle atrapada en la deformidad de mi cuerpo atrofiado e insensible, sino en la deformidad, atrofia e insensibilidad de vuestras conciencias."

Português: "Srs. Juízes, Autoridades Políticas e Religiosas: Não é que minha consciência se encontre aprisionada na deformidade de meu corpo atrofiado e insensível; mas sim na deformidade, atrofia e insensibilidade de vossas consciências."

Nome: Mar Adentro

Ano: 2004

Duração: 125 min

Área da medicina: Bioética, Neurologia, Neurotraumatologia
Onde Comprar: Submarino, Saraiva, Cultura

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